A assistente social Bruna Martins, que atendeu a menina de 10 anos após a interrupção da gravidez provocada pelo estupro do tio, no Espírito Santo, disse que fez um trabalho lúdico para que a menina não escutasse as manifestações realizadas na frente da maternidade, no Recife, onde ocorreu o procedimento. “Garanto que ela não ouviu, nem ela nem a mãe. Foi a estratégia que eu lancei mão. Focamos no cuidado e na proteção da criança, que é o nosso objetivo maior”, afirmou.
Bruna Martins, que trabalha na Secretaria de Saúde do ES, está com a família da garota na capital pernambucana. Ela contou, nesta segunda (17), como foi o trabalho realizado no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), hospital em que a gravidez foi interrompida.
A assistente social atendeu a garota e a família, a partir do momento em que o estado decidiu transferir a garota para Pernambuco, a pedido do secretário de Saúde do Espírito Santo. A partir daí, ela entrou em contato com as equipes de assistência social que atenderam a criança no município e do Judiciário, para acompanhar o caso.
“Todo o cuidado de que ela precisou ela obteve e as estratégias que a gente utilizava no quarto, porque estamos falando de uma criança de 10 anos, foi o lúdico. Então, a gente contava história, a gente colocou filme infantil, brincou de massinha, com os ursinhos dela, que é o que ela adora, para ela não ouvir [protestos de religiosos que foram ao Cisam após uma publicação da extremista de direita Sara Giromini nas redes sociais, divulgando o nome da criança e do hospital]”, disse.
Segundo o médico Olímpio Barbosa de Morais Filho, diretor do Cisam, a menina está aliviada após a interrupção da gravidez. A gestação foi revelada no dia 7 de agosto, quando a menina foi ao hospital, na cidade de São Mateus, se queixando de dores abominais.
“A gente fala de uma menina que teve a sua saúde violada, tanto fisicamente, mas emocionalmente, socialmente. Garantir o procedimento de forma legal, segura, gratuita, é garantir o direito à vida dessa criança, é garantir o direito à infância, é garantir que ela seja o que quiser ser, até porque criança é para brincar, não é para parir”, afirmou a assistente social.
A menina relatou que começou a ser estuprada pelo próprio tio desde que tinha 6 anos e que não o denunciou porque era ameaçada. Ele tem 33 anos e foi indiciado por estupro de vulnerável e ameaça, mas está foragido
Menina de 10 anos estuprada tem gravidez interrompida e está aliviada, diz médico
“Nós viajamos no domingo (16), eu conheci a criança e a mãe no aeroporto. Foi muito impactante. Ela estava assustada, abraçada nos bichinhos de pelúcia dela, muito apegada à avó paterna biológica, que é a referência materna dela”, disse.
Ainda segundo a assistente social, a equipe do Cisam estava preparada para receber o caso e foi “eticamente muito afetuosa, cuidadosa e habilidosa”.
“Ela está bem, calma. Você vê tranquilidade nela e na avó”, afirmou a assistente social.
Aborto legal
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De acordo com o diretor do Cisam, não há registro na literatura médica de crianças, como a que foi estuprada no Espírito Santo, que tenham conseguido seguir em frente com a gravidez. Ele informou que todo o procedimento foi feito de acordo com o protocolo, já que o aborto em casos de estupro é um dispositivo legal.
A ordem para interromper a gravidez partiu do juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude do Espírito Santo, atendendo a um pedido do Ministério Público daquele estado.
Um dos profissionais que atendeu a criança relatou, na decisão judicial, que “ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer”.
A criança chegou a ser internada no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), em Vitória, mas a equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual (Pavivi) se recusou a realizar o procedimento no sábado (15). Com isso, ela viajou para Pernambuco.
Na decisão que autorizou a interrupção da gravidez, o juiz se baseou na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em 2005 pelo Ministério da Saúde, para autorizar a interrupção da gestação.
Segundo o magistrado, a norma “assegura que até mesmo gestações mais avançadas podem ser interrompidas, do ponto de vista jurídico, aduzindo o texto que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal”.
O promotor Fagner Cristian Andrade Rodrigues defendeu o aborto como um direito da menor, inclusive para que ela possa se recuperar dos danos psicológicos causados pelo estupro.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou neste domingo um pedido de providências para que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) preste informações a respeito das providências adotadas pelo Judiciário local sobre o caso.
Espírito Santo
Nesta segunda-feira, em coletiva de imprensa, a superintendente do Hucam, Rita Checon, afirmou que a decisão da equipe do hospital foi “estritamente técnica”, porque o programa do hospital para este tipo de casos segue um protocolo do Ministério da Saúde de aborto até 22 semanas e 500 gramas. O feto, neste caso, tinha 22 semanas e 4 dias e 537 gramas.
Por isso, segundo a superintendente, o hospital não tinha capacidade técnica para fazer o procedimento necessário. E então, a Secretaria do Estado de Saúde procurou um hospital que atendesse um protocolo para esse tipo de caso.
“O abortamento é considerado [seguindo a Nota Técnica do Ministério da Saúde para abortamento humanizado, que é adotado pelo Pavivis] se a gravidez está no limite de 20 a 22 semanas e se o peso fetal é até 500g. Essa criança estava acima desse ponto de corte que é dado pelo Ministério da Saúde. A criança não estava em risco iminente de vida ao chegar ao hospital, apesar de ter diabetes gestacional, a criança estava com saúde controlada”, disse a superintendente do Hucam.
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