Moradores do bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador, pintaram a escada da rua em que moram, de várias cores, em homenagem a um dos vizinhos, que vai defender, no dia 3 de novembro, o TCC intitulado “Conflitos e Ação Política nos Movimentos LGBTQ de Montréal/Québec e Salvador/Bahia”.

A ação, que aconteceu no dia 11 de outubro, e contou com cerca de 30 pessoas, entre 6h e 16h, ia ser feita inicialmente apenas pela mãe de Igor Leonardo, de 24 anos, o homenageado.

Dona Sidnea Ferreira Santana comprou as tintas e planejou a homenagem ao filho. A ideia inicial era, sozinha, pintar todos os 50 degraus da Avenida Edna.

Após comentar com uma vizinha, a ideia foi comprada por quase todos os moradores da comunidade.

“Eu queria dar vida para essa rua, colorir essa rua e também lembrando a defesa de Igor, que vai ser dia 3, aí eu juntei o útil ao agradável. Comentei com meus vizinhos, reuni o pessoal, fiz a iniciativa de comprar as tinhas, mas não dava para pintar todos os degraus. Eles compraram a ideia, cada um ajudou com o que podia, fizemos uma vaquinha e deixamos tudo lindo”, contou dona Sidneia.

Igor Leonardo estudou em uma escola da rede particular até a 4ª série e concluiu o ensino fundamental II e médio na rede pública. O estudante cursou dois semestres de Nutrição, na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), mas trancou o curso em busca de mais satisfação pessoal.

Foi assim que ele começou a cursar bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 2015. A previsão era de que se formasse em 2019, mas adiou em um ano para fazer uma pesquisa de seis meses em Montreal, no Canadá.

“Minha vontade era de fazer Letras com francês. Eu tinha aula de francês no ensino médio e gostava da língua, tanto que continuei estudando”, disse o jovem.

Ele contou que a escolha por nutrição se deu por achar que seria uma forma mais fácil de atingir estabilidade financeira.

“Eu cancelei a minha matrícula e fiz o Enem novamente. Depois de algumas pesquisas, eu descobri o curso de gênero, não só gostei, me apaixonei. Achei um curso muito ligado com as minhas identidades, as minhas identificações”.

Para o jovem, antes de uma homenagem a ele, a união dos vizinhos na pintura das escadas e muros representou um sentimento de coletividade e de tentativa de um olhar diferente para a comunidade, repercutida muitas vezes como um local de violência.

“Eu acho que, antes de tudo, representa essa ideia de coletividade. O mais importante, antes de ser qualquer tipo de homenagem, acho que é uma demonstração de potência periférica, esse lado de coletividade, esse lado de implicação social, de alegria, de festa, para além de toda essa cultura de marginalidade, violência, guerra, conceitos que têm em todos os lugares, mas resumir um bairro somente a isso é complicado”, disse o estudante.

“É trazer uma outra leitura, um outro enquadramento para pensar periferia, pensar bairrismo, comunidade popular”.

Segundo Igor Leonardo, o momento da pintura ficará marcado para sempre no coração dele, não só pela homenagem, mas pela comemoração em união com todos.

“Foi uma algazarra, uma festa coletiva. Com o churrasco e a cerveja, foi até umas 21h. Rolou um churrasquinho, feijão, música”, contou.

Dona Sidneia, agora, se prepara para organizar a apresentação do filho. Muito orgulhosa, ela planeja colocar um telão para que todos os vizinhos possam assistir o momento marcante para a família dela.

“Por causa da pandemia, a defesa dele vai ser online, ele vai ficar sentado na escada e a gente vai colocar umas cadeiras para a vizinhança toda e alguns convidados, com todos os cuidados devidos, já falei para o pessoal usar máscaras, álcool em gel, tudo certinho”, disse.

Igor Leonardo é o único filho de Sidneia — Foto: Arquivo Pessoal

Sidneia Santana conta que o filho realiza um sonho dela. A mãe de Igor Leonardo, que se define como liberal, mas rígida nas cobranças, estudou até o terceiro ano do ensino médio e quer que o jovem aproveite todas as oportunidades possíveis.

“[Orgulhosa] demais, estou transbordando, não tenho palavras para descrever, falar como estou me sentido. Até porque eu parei [de estudar] no 3° ano, só tenho ele de filho e saber que agora ele tá se formando, que ele é homossexual, que existe a discriminação”, revelou a mãe de Igor.

Jovem tem 24 anos e faz bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade — Foto: Arquivo Pessoal

A mãe de Igor Leonardo tenta compensar o filho por todo o esforço e dedicação que ele mostrou nos últimos anos.

“Eu grito! Eu não falo não! Ele nunca me deu trabalho. Se todos os heterossexuais fossem iguais a ele, muitas mães estariam como eu estou hoje. Não estariam chorando, estariam alegres, vibrando”.

“Eu fui comprar as coisas da apresentação e eu vou colocar a rua toda LGBT. Vão ser as cores, porque o tema é esse, a diversidade de gênero, tem tudo a ver, todos os gêneros. Vai ser muito bonito mesmo, pelo fato de meu filho ser negro, gay e muito esforçado. Não é porque é meu filho não, mas eu estou muito orgulhosa”.

Frio em Montreal

Igor Leonardo fez seis meses de pesquisa em Montreal — Foto: Arquivo Pessoal

Foram seis meses em Montreal, primeira viagem de Igor para o exterior e oportunidade de aperfeiçoamento da língua francesa e conhecimento de uma nova cultura.

O estudante lembrou que ficou receoso em conhecer uma realidade que nunca tinha vivido, mas aceitou a proposta, mesmo tendo que perder o carnaval de Salvador, uma das paixões, e não se arrependeu.

“Cheguei e fiquei impressionado com o frio, estava nevando, socorro. Dois dias de neve já estava bom. Foi triste passar o carnaval lá. Assisti pelas redes sociais, mas foi uma experiência boa”, brincou.

“Foi difícil [passar o carnaval distante de Salvador]. Principalmente no ano em que Margareth Menezes voltou para [o bloco] Os Mascarados, aí que eu morri mesmo. Amigos me enviaram vídeos diretamente da avenida, fizeram chamada de vídeo, foi legal”, contou o estudante.

Passado o trauma de ter “perdido” o carnaval soteropolitano, Igor Leonardo conheceu muitas pessoas em Montreal, conheceu sobre a história da localidade, a cultura e todos os desdobramentos políticos.

“Foi legal para conhecer. Primeiro a língua, aperfeiçoar o francês, que não é o mesmo francês que falado na França. Foi interessante aprender essa variação linguística”.

“Aprender um pouquinho sobre a história de Montreal, sobre o Québec, essa divergência política do governo do Québec com o governo do Canadá. Entender que o Québec se pensa como uma província autônoma, que em determinado momento da história já tentou se separar do resto do Canadá”, contou.

O baiano tem planos de voltar a Montreal no futuro. Além de estudar, fez amizades na cidade.

“Eu gostaria de voltar, fiz amigos lá, brasileiros, canadenses e quebequenses, as meninas que me acolheram, o pessoal que me recebeu na faculdade foram super legais. O pessoal de Montreal, Canadá como um todo, mas em Montreal eles são muito calorosos, atenciosos, muito solícitos”, disse o estudante.

Planos para o futuro

Igor Leonardo pretende ensinar em salas de aula — Foto: Arquivo Pessoal

Se Dona Edneia se orgulha da dedicação de Igor Leonardo aos estudos, ela pode comemorar. Os planos do estudante é seguir o ritmo e se especializar. Depois, a meta é dividir o conhecimento em sala de aula.

“Continuar estudando, fazendo mestrado, doutorado, uma pós e depois trabalhar, né? Tem que trabalhar para comprar as coisas. Mas eu quero seguir carreira acadêmica, tanto na universidade, como no fundamental e médio”, disse.

Fonte G1 Bahia

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